Os gatos machos – outra vez os gatos; ainda e sempre os gatos – marcam território por onde passam. Aninham-se sobre as mãos, levantando o quadril, apontam a cauda na vertical e disparam uns esguichos de urina contra uma superfície que faz as vezes de marco geodésico. Os gatos, quando delimitam o território que assim julgam ser seu exclusivo, chamam uma jurisdição.
Os outros gatos que por ali venham sabem que um compadre já definiu as fronteiras do seu território. O gato forasteiro tem duas hipóteses: sai daquele lugar, para não participar numa guerra (os gatos, alguns gatos, também sabem que as guerras são espúrias); se o gato for belicoso, ou se decidir que aquele território deve ficar sob a sua chancela, descarrega urina sobre a urina anterior, desafiando o gato precedente.
Para o primeiro gato, há muitos territórios baldios à espera de jurisdição. Mas este gato não pode adivinhar o futuro; e o futuro pode trazer outros rivais a quererem desafiá-lo. Nunca se pode dar por adquirido que um lugar ermo o será para sempre. Para o segundo gato, há territórios mais apetecíveis (que ele sabe serem habitados por gatas, que um dia destes entram no cio), compensando fixar a sua matriz para poder exercer um domínio que afaste os rivais. Este gato tem de estar preparado para a natureza contenciosa da jurisdição. O gato que antes foi suserano pode não aprovar a ousadia, vendendo cara a jurisdição. Outros gatos poderão entender que aquele território tem o valor do ouro, aprestando-se a exercer a jurisdição. O território pode tornar-se um demorado campo de batalha.
O equívoco dos gatos é partirem de uma noção de posse do território que é um barril de pólvora, caso outros gatos coabitem o mesmo lugar ou as imediações. A exclusividade territorial está nos antípodas do comportamento dos gatos quando uma gata entra no cio: a gata oferece-se a todos os gatos e estes não se importam com a concorrência dos rivais. A sociologia sexual dos gatos é a negação da monogamia. As gatas são poliândricas. Nenhum gato tem o topete de exigir a exclusividade. O que os bons costumes (humanos) têm como promiscuidade é uma caução da paz entre os pretendentes rivais, que esperam pacientemente pela sua vez enquanto a gata sacia os gatos em fila de espera.
A imagem é dura, para os costumes humanos conservadores e antropocêntricos. O que lhes escapa é a abertura de espírito para entender como uma lição dos gatos ensina que o sexo pode prevenir a guerra. Oxalá os humanos soubessem aprender a lição dos gatos. E devolvessem a jurisdição à sua castradora feição, reduzindo-a a um nada.
Entre promiscuidade e guerra, quem prefere a guerra?
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