Como Ulisses, quando Ulisses estava atado a um mastro. A vontade anestesiada, mas contra a vontade quando ela se insinuava deletéria. Como se não houvesse dias por inventariar e tudo se passasse num esconderijo, sem que ninguém conseguisse saber das injúrias cometidas contra os alicerces em que se cimenta a vontade. E como Ulisses, dividido em duas metades: uma, a rebelde, condoída pela inércia a que tinha sido condenada, sem poder rebater a mordaça que cobria o corpo todo, voz incluída; e a outra, mergulhada numa anestesia lisérgica, como se uma transfusão de outro magma purificasse o que fora condenado à substituição.
Todas as imagens fluíam diante do olhar todavia virado do avesso, sem que o olhar assim retorcido estivesse impedido de ajuizar os acontecimentos de outro modo pungentes. Não se cuida da alma assim errante, marcando ausência atrás de ausência nos lugares que convocam o seu paradeiro. Não se abandona a angústia vidrada no olhar pelas dores causadas pelo mundo, que é tanto lá fora como por dentro das veias. Em câmara lenta através de uma tela puída, numa reclusão que desautoriza o viveiro em que medram as inquietações.
É como se estivesse na plateia a assistir ao seu desmame, que passava na tela puída pelo passar de tantos filmes, pelo inventário de tantas vidas deixadas em orfanatos. Se ao menos este conspícuo lugar não fosse uma dioptria a menos em relação ao estugar do tempo, podia a meação das almas configurar uma encruzilhada apta a participar no promontório onde se embainham as grandes decisões.
Como Ulisses, impotente para travar a escala vertiginosa que extravasa o diâmetro avalizado. À mercê dos cuidadores que o ataram para o desmame, não sabendo das suas intenções, desconhecendo se são cuidadores benévolos ou se querem colonizar a sua vontade para aumentarem o capital de vontades obturado por um tiranete disfarçado.
Às vezes, ser Ulisses é o remédio para aplacar as fragilidades de que se é vítima intencional. Diz-se que são perdidas, estas almas. Ser como Ulisses é abdicar da automutilação em que se desaguou. O segredo de Ulisses foi um derradeiro arremedo de consciência que se emaranhou na privação de lucidez. A menos que Ulisses, anestesiado a meio do desmame, tivesse confundido a cura com a doença.
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