Mandam-se as vozes tonitruantes para a parada. Pede-se que esperem. Pede-se que se agarrem firmes na espora da desonestidade intelectual, que ela vai ser armamento assíduo. Exige-se fidelidade canina: têm de estar preparadas para serem curadoras de quem as mandatou. Façam as vezes de testa-de-ferro. Como os soldadinhos metidos em comboios que os levam para a carnificina. E eles, uns enganados e outros iludidos, nem sabem que é a viagem para a morte. Mal menor, que deixam de arengar.
Nas arengas que são o apreço não se fala de dar o corpo às balas num desprendimento ensandecido. Apuram-se os eleitos para as arengas que estão por vir. Encena-se tudo com aguarrás. Dissolvem-se as manchas de outrora com o melhor dos diluentes. Se sobrarem páginas inapagáveis, é melhor haver um recurso expedito, uma manobra de diversão, um bocejo que distraia, a telúrica mudança de assunto para que o assunto não vá morrer nas páginas resgatadas que atestam uma contradição entre dois momentos. Se for preciso, verte-se o perfume que as andorinhas exportam do Norte, só para anestesiar as circunstâncias. E manda-se tudo para o alfaiate, para reciclagem da memória.
Salvemo-nos das arengas onde fruem os meirinhos de gente maior que não tem coragem de dar a cara pela suas causas. São os procuradores, escondidos nos bastidores, e seus são os embaixadores que se prestam por meio soldo e a promessa da escada da glória. Estas são as arengas que se dispensam. A fartança de ilusionismo retórico, o recurso à palavra gongoricamente interminável que hiberna os outros, a insolência do pretexto disfarçado de argumento, os garfos que metem pela garganta abaixo dos oponentes, a omissíssima natureza de que são feitos.
Abaixo estas arengas que adulteram os areópagos onde a parlamentação devia ser cheia de lisura, onde os participantes deviam ser instruídos da dignidade de o serem. Nestas arengas, o máximo que se alcança é a desaprendizagem; o assíduo insulto à inteligência dos outros; a barbárie do impudor que cobre as mentiras com um denso véu de re-verdade. Até que a noite peça o sono e os sonhos avivados mintam as mentiras piedosas, as que desmentem as arengas instituídas que transfiguram o desejo de saber do outro através das ideias. Devolvendo ao ouro a sua dentição perfeita.
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