As lantejoulas falavam por ele. Não se dissesse que a extravagância não era a sua gramática: pudesse cumprir com os quesitos da simplicidade e era como se fosse forasteiro no seu próprio lugar.
Fazia da extravagância o verbo luminoso que enchia as veias de sentido. Não precisava de solenidades. As lantejoulas, ou uma indumentária que deixava boquiaberto quem passava (a menos que fosse um seu par), era a marca distintiva. Mas não era fácil. A extravagância era atestada pelo olhar dos outros. Era assim que se apresentava, só era extravagância para os outros. Nunca idealizou a extravagância como a casa de partida.
Um dia, quis virar a extravagância do avesso. Teve de ir às compras, em primeiro lugar. Antes confirmara, numa breve indagação ao guarda-roupa, que não tinha roupas que não pudessem ser certificadas como não extravagantes (o eufemismo para a palavra que mais odiava: normal). Comprou a roupa que pudesse ser considerada “normal”. Não foi fácil decidir-se. Enquanto zeloso observador das pessoas e dos costumes (aquela costela sociológica que nunca teve cumprimento académico), não era fácil esboçar o protótipo da moda masculina. Não lhe interessavam as tendências abençoadas pelos gurus da moda: são raras as pessoas que se seguem por esses mandamentos. O observador meticuloso das pessoas e dos costumes distinguiu muitas variedades de vestir. Decidiu-se por uma, sem grandes demoras. Assim como assim, não era representativa do seu estar.
Nesse dia, sentiu-se extravagante pela primeira vez. É como se estivesse numa pele não sua. Se olhasse para um espelho, não se reconheceria. Pela primeira vez em muito tempo, o porteiro do prédio não olhou para ele com a comiseração de que, no seu entender, os extravagantes são merecedores. O dia parecia não acabar. O mal-estar colonizou o corpo inteiro, como se tivesse assanhado uma alergia contida em hibernação.
E teve a noção do que era representar o foragido que assoma contra a maré dominante. Não na sua pele habitual, mas contracenando num sangue que era forasteiro. Por se ter sentido extravagante pela primeira vez, em muito tempo.
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