23.5.23

Magistério (lotaria)

Ólafur Arnalds, “Fyrsta” (Living Room Songs), in https://www.youtube.com/watch?v=SDezzDQVy6M

Dizem as modas de serviço, já quase não há nada para aprender. Se há tão pouco para aprender, haverá o tanto mesmo para ensinar. Tomara que os silogismos fossem complexos, mas a aprendizagem nunca se divorciou do ensino. Até que as modas de serviço ensinam o que ensinador nenhum consegue ensinar: aprender com a ajuda de quem ensina está a perder cabimento e os novos aprendentes sabem fazer o seu caminho entre os tortuosos (outrora) caminhos das ciências. Os que ensinam podem-se dedicar a outra arte. Há tantos autodidatas que o magistério está em vias de extinção.

O golpe de asa foi a inteligência artificial. Pouco importa o adjetivo que vem colado a esta inteligência. Pouco importa: os que nunca andaram atrás da inteligência, mas apenas de uma fechadura por onde entrasse a esperteza, mal sabem o que é a inteligência, muito menos a sabem adjetivar. A menos que as convenções tenham mudado e agora o artificial seja melhor do que a sua antítese. Deve ser uma das sínteses formuladas pela inteligência artificial, com a bênção dos apedeutas.

Quando tudo é tão acessível, tudo está tão à mão de semear, as pessoas não desconfiam, não tergiversam? Não se propõe uma teoria geral da desconfiança, nem que ela se abrace a coisas desprovidas de complexidade (como se a simplicidade fosse uma conspiração para premiar os poltrões). Às vezes, a simplicidade é o mais difícil. A simplicidade instrumental é apenas um recurso para premiar o menor esforço. É oportunista.

O sumo do conhecimento passou a ser um fast-drink emborcado com a bruteza de um shot, de um trago só. Como se os aprendentes se embebessem em doses concentradas de conhecimento. Julgam que sabem muito e de coisas diversas. Mas sabem pouco mais do que nada em cada domínio. O precipício entre os dois lugares é o lugar sacrificial onde, com a ajuda da sobranceria, intentam empurrar os demais, virando o estatuto do avesso. O magistério tornou-se um prolongado sacrifício. Com doses abundantes de desinteresse (e o interesse pelo quê, afinal?), autoconvencimento de um conhecimento apenas inflacionado, com a pesporrência de quem pouco sabe e confronta o ensinador – porque, afinal, este é dispensável e sabe menos que o aprendente. Uma lotaria, com assíduas visitações de insulto à inteligência.

Um dia destes, os lugares de uma sala de aula ainda vão ser trocados.

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