Olhas por esta porta como se ela fosse um demónio que trespassa as dores do mundo. Se fosses ao convés das ideias, de lá virias saciado com tanta abundância. Serias surpreendido com a matéria-prima copiosa e de ti desconhecida. Talvez chegasse para deixares à porta a desconfiança dos outros. Eles não são os demónios que, açambarcado pela desconfiança, julgas.
Em tua defesa, argumentas que a experiência cimenta a legitimidade da desconfiança. Não devias ser refém do passado. Não deves aceitar que todos são uma amostra dos poucos que te deixaram cicatrizes que o esquecimento não consome. Faz uma experiência: muda de lugar, ou muda de pessoas que frequentas, só para perceberes se são de outra genealogia. Os forasteiros não são sempre os algozes que se aprisionam a uma moribunda condição.
Pode ser que sejam as metáforas a emprestar outro chão aos lugares. Delas serás servil, para de uma servidão sem o jugo da palavra levantares outra cortina sobre o palco que atrás dela se esconde. Até que os minutos possam ser a bengala de uma reinvenção do tempo. Em vez de contarem pela totalidade dos segundos convencionados, farás dessa medida o que dela julgares oportuno. Se queres retesar o tempo entre as mãos, não deixes que o minuto se extinga ao fim de sessenta segundos. Noutros preparos, podes querer esgotar a medida do tempo sem que ele se esgote por dentro das baias que o configuram. É quando apetece que os minutos fiquem pela metade. Ele há também geografias do tempo que não merecem lisonja.
Quem te instruiu na profecia das mãos calejadas não sabia que os calos, ou até as mãos, podem ser apenas metáforas escondidas em compêndios feitos de páginas bolorentas. Ou um carrossel enferrujado que se deita sobre as planícies, até colher todas as flores e debulhá-las no parapeito do medo, dissolvendo-o a matéria vã. E tu agradeces às metáforas que desenjoaram o tempo.
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