5.5.23

Museu da esperança (short stories #424)

Os Poetas, “Despertar”, in https://www.youtube.com/watch?v=PdGx2y1Jkyc

          Encerram-se as sombras párias numa prisão sem lugar na pele. Expulsam-se as mágoas, gratuitas como são. Vestem-se de cor garrida os lutos insindicáveis. Protestam-se os que alardeiam a soberba de serem o que não são atrás de disfarces indigentes. Desarrumam-se os fantasmas que ferem as consciências distraídas. Doam-se à prescrição as consumições que povoam o medo. Escondem-se os corpos fendidos dentro da sua fragilidade, à espera que dois negativos somem um positivo. Desautoriza-se a mentira puída. Oferece-se o passaporte aos que tirocinam a carne viva dos outros. Amotinam-se as almas desembaraçadas contra os manuais de instruções. Expropriam-se os pesares que levedam o sangue. Descolonizam-se os rostos lívidos pelo penhor contínuo do passado. Reinventa-se o pecado, subtraído à cólera da censura social. Desamarram-se as algemas que degolam a liberdade. Provocam-se os contínuos das ordenanças, meros meirinhos costurados às bainhas da mesquinhez. Desembaraçam-se os sonhos que andam pela trela das cicatrizes, devolvendo ao mar o sal saqueado. Remediam-se as virtudes apenas quiméricas. Disfarçam-se as muralhas que apequenam lugares.  Ativa-se o pensamento desimpedido contra os déspotas disfarçados. Desenganam-se os profetas que deitam a mão a oráculos sem posse. Embaciam-se as tempestades futuras que são afins aos cemitérios sem aval. E aconchegam-se as lágrimas derramadas por cima das cicatrizes. Avivam-se os fiordes que amanhecem no friso da memória. Agigantam-se os nomes que não têm nome. Convocam-se apeadeiros estilizados nos sonhos sem redenção. Embeleza-se o dia com a urdidura das estrofes artesanais, no rendilhado da sensibilidade não exilada. Hibernam-se as farsas, acantonadas na arqueologia do futuro. Levitam-se os corpos nos rios andantes, que não precisam de pontes para saberem das suas margens. Congemina-se o palco que não sabe o paradeiro da angústia. Amaciam-se os calos legados do passado. E ousa-se a geografia terçada nos estiradores dos estetas da esperança. A esperança, é o juro do futuro.

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