17.5.23

Bom Partido

Björk, “Big Time Sensuality”, in https://www.youtube.com/watch?v=-wYmq2Vz5yM

(Mote: um partido chamado Iyi Parti, na Turquia, que aparece nas notícias traduzido para Bom Partido)

Bom Partido – o nome de um partido assim inventado para verter um refresco na paisagem política. Um momento heurístico em que um partido daria o mote para a política deixar de ser o que se tornou a coberto do antagonismo de ideias e de programas. Pois depressa o antagonismo se transfigurou em confrontação, da política se dizendo que, enfeudada em partidos, se tornou a forma de disfarçar guerras por meios só aparentemente pacíficos.

O Bom Partido não precisaria de programa. Só tinha de convencer os eleitores que era bom. Os eleitores que chegassem a bom porto por antinomia: aquele era o único partido que era bom. Sem que fosse preciso ao Bom Partido verberar os adversários: como bom partido, seria só elogios aos adversários, de uma ponta à outra, sem exceções. Sem que a enxurrada de elogios fosse uma demarcação do Bom Partido. A capacidade de elogiar os outros faria a diferença. Seria a sua demarcação. A forma de desarmar os adversários. Estes, ou jogariam pelo mesmo estalão (e se todos o fizessem, a política tornar-se-ia uma entediante procissão de elogios mútuos), ou, se o não fizessem, situar-se-iam como partidos maus. 

Caberia à consciência (ou apenas às simples preferências) dos eleitores o demais. Os que acreditassem na semântica da bondade política, votariam no Bom Partido; ou, encantados com a interminável procissão de elogios mútuos, acabariam por votar no partido que sempre votaram, dissolvendo a vantagem comparativa do Bom Partido. Os que não caíssem no logro da ingenuidade, filiados no incorrigível pessimismo antropológico, cientes que a bondade alardeada era um ardil, continuariam a votar em partidos que não alinhassem na adulteração da política. Já os gurus do marketing, os possíveis inventores do Partido Bom, esfregariam as mãos de contentamento pelo rasgo de reinventar a política que passa no palco dos partidos. Outros, apegados à realidade do chão cheio de pregos, diriam que um partido que se chama bom é porque sabe que é o contrário e precisa de o negar, aldrabando os que caem no logro.

Para o Bom Partido não haveria lugar a diagnósticos catastróficos. Tudo seria paradisíaco, mesmo que não passasse de um disfarce. O Bom Partido podia ser uma muleta do partido do governo (ou o seu idiota útil). Se assim fosse, talvez se esvaziasse a agenda potencial do Bom Partido: se vivemos num paraíso, o que há para melhorar? Ou podia ser um apóstolo da crítica construtiva. Anotaria as fragilidades que precisam de medidas corretivas ou de políticas de fundo. Oferecendo-as ao partido do governo. E, como Bom Partido, estaria a proclamar, sem rodeios, que boas são as suas medidas. Por exclusão de partes, para que o bom entendedor se faça entender.

(Trabalho de casa feito: o Bom Partido é um partido de extrema-direita. À consideração do eleitor (turco).)

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