29.5.23

Amanhã, a tempo do furacão

Sigur Rós, “Rembihnútur”, in https://www.youtube.com/watch?v=tHabcP2CcGw

O sonho português é comer camarões, deixar crescer um bom bigodinho, viver bem a vida, ir à praia, apanhar um solinho. Essa é a minha versão de vencer na vida

Um artista, da mesma nacionalidade, de má fama.

Princípio geral das despreocupações: fita o horizonte, ele há sempre coisas piores no cardápio das divindades. Não é ser guru de autoajuda, que essa desarte fica para quem não encontrou outra maneira de se fazer à vida (o que vale para os soi-disant gurus e para quem deles se socorre, como se fossem a derradeira tábua de salvação de uma vida que não precisa de salvação). 

Amanhã vem a tempo. Vem sempre a tempo. Não sejam gastas lágrimas que sintetizam a angústia desembaraçada que, à noite, pinta o céu com a negrura que é típica da noite. Está à vista de todos: a noite é um vulto que se abate sobre o dia, e em particular sobre as pessoas, sem que outros significados possam passar a alfândega dos sentidos ou que uma qualquer metáfora da vida adeje sobre a dita. Depois da noite, ciclicamente, até contra as piores desesperanças dos profissionais da amargura, será o domínio da manhã. A menos que arranjem pretexto para verter uma tela hedionda sobre a manhã (por exemplo: a manhã interrompe o sono), situem-se antes no hemisfério heurístico.

Para que não sobrem equívocos, o princípio geral das despreocupações não recomenda uma ilusão anestésica. O mundo tem lugares e pessoas que não são recomendáveis. Não é difícil arregimentar provas que atestam os postulados dos pessimistas antropológicos (e de outros que alargam o campo de análise). Às vezes, o analista é o primeiro a não se fazer recomendado. Não se aconselha que caia um manto de fingimento. Entre todos os males que campeiam, cabe-nos a destreza de não capitular para não sermos reféns de uma metafórica noite perene.

Por exemplo: a simplicidade. O não arrastar os pés para um voo lunar sem combustível, para depois o despenhamento não ser fragoroso – já que não se leva arnês. O libreto é feito à medida. Num equilíbrio entre o sufrágio das iridescências que se sopesam contra a embocadura pútrida onde o mundo se hasteia. Tomar a medida por defeito não é defeito. É pressupor as coisas como são sem as elevar a uma potência exagerada e desigual.

Daí a predição do artista: descontando o estigma da generalização, o cidadão realiza-se na modéstia de ter camarão para petiscar, agilizar a estética a bordo de um bigode atávico, acastanhar a epiderme na praia, bendizendo o astro-rei. Em suma, levando uma vida de bem viver, com toda esta modéstia que é sinónimo da maior grandiosidade que temos para ser.

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