Na terra dos pesadelos, o gelo aquece a que temperatura? Ou: se encontramos uma encruzilhada sem toponímia, seguimos pela segunda escolha (para reprimir os instintos, como ensinam os zelosos guardiães dos bons costumes)? Arranca-se o sal às pedras para descobrir que a montanha já teve mar à ilharga? Os mares recuaram e foi assim que o planeta se pariu (e descendemos todos de peixes)? Dizem que só somos plenitude quando desembarcamos num cais que deixa entrar aveludados feixes de luz pelas entranhas das janelas e reparamos que uma placa no apeadeiro confidencia o paradeiro: “Paraíso”.
Pode ser o céu. O céu quando morremos (não interessa saber se é apenas metáfora, outra figura de estilo, ou se o céu é literal). Supõe-se que as apoquentações não foram admitidas a concurso quando se aprecia a validade do céu. Não é ao acaso que o paraíso é o paraíso. Se o paraíso fosse semelhante aos lugares terrenos que acompanham as vidas enquanto duram, mais valia ficar vivo; ninguém tinha esperança na morte, porque a morte (é o que dizem as efabulações) não é morte: é a vida que nunca conseguimos viver nos lugares terrenos e enquanto a vida levou a trela dos sentidos. Pelo caminho, o céu pode ficar embaciado e ninguém sabe se soa a paraíso.
Alguém sugere que devemos esperar pelo céu para conhecer deus em pessoa (descontada a contradição de termos). Até os ateus não perdem nada, pois nessa altura só podem prestar contas aos seus pares que ocupam um pedaço do céu por sua conta. Poderão dizer, em meritório estribilho: o céu é seu. Alguém insinuou que deus, como está desempregado, pode ser a tutela de todos os que ganham bilhete para o céu. Se deus trabalhasse, nem a omnisciência lhe valia.
Há também quem proponha que no céu só há desempregados. Ou, dito de outra forma: o céu é o lugar onde todos merecem a segunda reforma. Não há mercados, mercadorias transacionadas contra o dinheiro que se aufere em contrapartida do trabalho, nem marxistas, nem capitalistas suicidários (aposto que vivem em espaços contíguos, por divino castigo pela militância diligentemente irritante), não há futebóis inflamados, nem querelas entre eruditos que alimentam as querelas com toda a erudição, nem hinos que agarram a mão ingenuamente nacionalista ao peito, nem trofeus de nações contra nações (a guerra por meios pacífico-desportivos), nem patetas ou idiotas disfarçados de patetas, nem (dizem – mas não sei se hei de crer) mentirosos.
Mas se o céu é o paraíso, por que precisamos da extinção da vida para merecer essa morte?
(Registo de interesses: acredito no céu para efeitos meteorológicos e astronómicos)
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