Os agricultores de antanho eram mais sábios do que os cientistas de amanhã. Descobriram – sem, todavia, saberem – os prolegómenos do doping. Os adubos que retiravam dos excrementos das reses eram o doping que as terras precisavam para serem férteis e oferecerem aos agricultores, em paga, uma colheita farta. E depois, os agricultores, obedientes a deus como eram, agradeciam o legado divino. Sem saberem, endossavam para deus a oferenda do doping que avivou a fertilidade das terras. Deus foi o inventor do doping.
Se não fossem os excrementos das reses meticulosamente recolhidos e vertidos e amalgamados nas terras, elas não eram férteis. Desde cedo, o doping existiu. Mas dantes, o adubo, que era o doping das terras aradas, não era ilícito. A fome exigia mantimentos e era a terra que os dava. O passado foi um desfilar de pestes e fomes e não se queria um futuro herdeiro de tais estigmas. Os fins justificavam os meios. As terras nunca se queixaram de serem aradas com recurso a expedientes escatológicos. Mas as terras nunca tiveram voz. Os tutores das leis nunca atribuíram ao adubo a linhagem de um doping que na altura não existia.
Hoje, o doping é doping e os sacerdotes da verdade perseguem-no. Os adubos ficaram à mercê da manipulação da ciência. Vale a química que libertou as terras do enxovalho dos pútridos excrementos das reses. É na mesma doping. Mas os fins continuaram a justificar os meios, hoje com diferente ontologia. Já não são as fomes, que estão em vias de extinção, que reclamam o fechar de olhos aos fins que justificam os meios. É a ganância de espremer o máximo das terras, para que se encham comboios de excedentes de alimentos destinados à destruição ou ao perecimento. E ninguém protesta contra este doping, que só não se chama doping porque os costumes ordenaram que assim não seja.
Se houvesse igualdade, os peritos da química que manipulam os elementos para conseguirem milagres, os sucedâneos de deus (ou os deuses que só o pudor impede que assim sejam chamados por quem deles depende), podiam continuar a aperfeiçoar a bitola do doping aplicado ao desporto. Ao menos, caía a máscara da hipocrisia e passávamos a ser espetadores de desportistas em levitação sobre-humana, sem pudor de esconder outra escatologia que apenas os costumes, tão enraizados, protelam sua estadia convencionada: a escatologia da batota não revelada.
A batota não é batota quando os costumes concordam que não seja.
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