Leves as mãos que degelam o fogo incrustado na alma. O periscópio desembaraça-se das algas e anuncia a lucidez possível. Não se diga que são muitos os desmodos, que a palavra triunfal tem serventia máxima. Congeminam-se avenidas pressentidas pelos rouxinóis abastados pela tarde modesta. Os rostos parecem todos luminosos. Estão luminosos. Nem que seja mentira.
Alguém tem de ser timoneiro nesta nave que não sai do chão. Olham uns para os outros, na exímia medida de desresponsabilidade – um outro qualquer que tome a empreitada em mãos. A nau não viaja enquanto não houver um timoneiro atribuído. Mas todos sabem que se espera da nau uma viagem sem sair do lugar. Talvez por isso, ninguém quer o leme. Se outros fossem os preparos e houvesse um lugar para ser demandado pela nau, um deles que fosse o voluntário timoneiro. Esta é a esperança que cai bem num tempo hipotecado pela desesperança.
E, no entanto, todos querem apenas ser passageiros. Tomam os respetivos lugares e ficam à espera do timoneiro. Esperam e esperam. Uns adormecem, outros leem umas páginas de um livro, de um jornal, da comezinha publicidade, outros não disfarçam a impaciência pela espera, outros demoram-se na paisagem estéril. Todos querem chegar ao lugar que a nau ajuramentou. E todos estão à espera que seja um deles – mas nunca o próprio – a exarar a responsabilidade de tomar o leme.
Por este andar, a nau vai ganhar teias de aranha. Os passageiros, esquecidos de quem são. O tempo será consumido numa espera sem órbita. Os lugares não saem do lugar – lamentou-se um dos passageiros esquecidos no terminal. Os degraus da escada tornam-se inacessíveis. Parece fácil ultrapassar um após o outro e, todavia, estão todos congelados na tela. Ninguém quer ser cobaia; ou, talvez, ninguém está em condições de fazer com que os outros sejam cobaias através dele. Já não se lembram que lugar foi ajuramentado pela nau.
A nau temperamental mantém as amarras ao chão. O leme continua deserto. O lugar onde a nau está ancorada tornou-se deserto. Sob o sol torrencial, o leme ficou abraseado. A incandescência perdura pela noite fora, pelos dias fora. Ninguém quer uma queimadura de primeiro grau nas mãos. Estão todos sitiados pelo deserto.
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