15.6.23

Tira as pedras do caminho

The Breeders, “Divine Hammer” (live at MTV), in https://www.youtube.com/watch?v=blj0n_gjovo

Ateado o fogo sindicável, as maçanetas das portas derretiam ao contacto com as mãos. Era como se as mãos fossem o combustível que removia os embaraços e agissem como mecenas do futuro.    

Para demandar o futuro, era preciso um caminho inteiro. Um caminho que não admitia rota nem ficava à mercê de instrumentos de navegação. Era por tentativa e erro. Sem temor do erro, matéria fungível para quem se atirava de cabeça aos dias que vinham consecutivos na maior sagração da existência. O presente era o santuário do futuro, como se nele viesse a colher os juros.

Era um caminho inteiro a trespassar as pedras que impediam a passagem. As mãos saídas de vulcões em erupção trespassavam as pedras porque havia vozes insondáveis que murmuravam a transcendência do porvir. Sabia-se que viver cada dia de cada vez era prometer toda a solenidade ao futuro – pois o que era o futuro se não a exaustão de cada dia em forma de presente?

Mas havia pedras paquidérmicas que resistiam à ação dos procuradores do caminho. Elas rimavam com uma conspiração, uma conspiração nem que fosse idealizada para provar que há pedras imateriais que são mais pesadas do que as pedras que ostentam tonelagem. As mãos cerzideiras não capitulavam. Podiam passar uma longa jornada a desmontar a resistência das pedras imensas. A recompensa da não capitulação era o desfazer dessas pedras a uns meros quilos, prontas para serem atiradas ao desfiladeiro. 

As mãos arquitetas eram temidas pelos obstáculos que impedissem a passagem. Pedras, ramos depois de tempestades (ou ramos apenas senescentes, à espera do golpe fatal), caudais de ribeiros alimentados pela chuva incessante, um terramoto que redesenhou a topografia – todos eram vírgulas que não assombravam o caminho que estava a ser feito. As mãos arquitetas eram invencíveis, a menos que fossem vencidas pela morte irreparável.

Atrás delas ficava um chão aplanado. Ficava, em legado, uma estrada que podia ser demandada pelo futuro. O juro do passado para memória futura. 

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