6.6.23

Protesto contra as ruínas colonizadoras

Faith No More, “King for a Day”, in https://www.youtube.com/watch?v=utZUCghdD88

Com o zelo que nos é devido pela impertinência da não capitulação;

com a destreza de quem tem âncora, a rebelião assestada contra os suseranos das coisas irremediáveis;

com o amparo de uma vontade indomável;

com a obstinação que se ergue contra as marés insubmissas;

com o arnês todavia puído;

com o beneplácito das divindades que não temos a certeza de serem nossas assistentes;

com a clareza que nos é devotada pela noite que se arrasta pelas portas adentro;

com as tesouras terçadas que boicotam os boicotes que contra nós se levantam;

com a posse das metáforas que se jogam a nosso favor;

com os mecenas que desarrumam as convenções firmadas em leis de bronze;

com os embaixadores que se manifestam em silêncio e os bispos de religiões omissas;

com a carne ao rubro que se subleva contra as doutrinações dardejadas;

com as luas que se oferecem nossas procuradoras;

com a purificação da poesia em nosso socorro;

com a invocação dos mares sem dicionário que entroncam na fala;

com as armas possíveis que amanhecem no estirador dos sonhos,

            protestamos:

contra as ruínas que esbracejam como se fossem fantasmas sem medo;

contra os fantasmas que se embebem no sangue para nos possuírem na invalidez das nossas reservas;

contra os ossos tomados por núncios da decadência;

contra os delatores que querem tudo reduzir a ruínas;

contra a pele colonizada por conspiradores da senescência;

contra o esmaecer que oblitera as cores, deixando a vida refém dos muitos avulsos que se jogam num tabuleiro sem nome;

contra os que se entregam aos mastins que, ufanos e cinicamente sorridentes, são como juízes peritos em penas capitais;

contra os atributos do tempo;

contra a verosimilhança das prescrições;

contra as estradas que se insinuam, promitentes de fortunas sem números, e, contudo, não oferecem toponímia;

contra todas as ruínas que estilhaçam a medida do tempo na tela onde se desenha o princípio geral da finitude;

contra a condição, a irremediável condição, de sermos em vias de extinção,

            protestamos

e deixamos o protesto lacrado em solene letra marcada a ouro, sem procuração de outros nomes, sem medo de represálias, sem medo de medo algum. 

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