23.6.23

Por linhas tortas (short stories #426)

Queens of the Stone Age, “A Song for the Dead” (live), in https://www.youtube.com/watch?v=dwCdRpICi8s

          Descansam, guerreiros que não deviam merecer o descanso. Atirados para a batalha – como se diz: carne para canhão – e vão, lisergicamente robotizados, à espera do arsenal atirado ao inimigo, ou à espera do dia fatal que os rouba à vida. Diz-se que se escreve por linhas tortas quando se invocam as vias metafísicas, esses ínvios caminhos que convocam justiças repostas quando as mãos imensamente justas de uma divindade entram no jogo. Ninguém contesta as linhas tortas onde se escrevem páginas pelos vistos belas, autênticos hinos à justiça assim dicionarizada pela divindade. Ninguém se opõe; menos os dissidentes da metafísica, menos os que duvidam da justeza da justiça aplicada pelas mãos divinas. Os olhos estremunhados que perseguem a tarde não conseguem dissipar a névoa que embacia o horizonte. Não sabem do dicionário dos deuses. Descobrem que não está publicado; não terá sido a sua qualidade aferida com suficiência pelos candidatos editores, que deixaram a publicação deserta. Talvez a justiça divina seja uma invenção dos que precisam de a invocar. A justiça implacável dos vencedores. Que, por o serem, são os engenheiros civis dessa justiça. Os derrotados passam à História. Silenciados, a sua narrativa não chega à hasta pública. Escrevem nas linhas direitas as metáforas tortas, que não arrebatam audiências. Sua, a justiça negada; por linhas direitas, escrevem a torto a justiça sem vencimento. A não justiça. Emoldurada é a justiça dos que protestam a seu favor a vitória no pleito. Sobem ao vértice da pirâmide onde as muitas camadas de jogadores se distinguem num tabuleiro sem remédio. A justiça que se faz pelas linhas tortas vira o tabuleiro do avesso. Depois – quem sabe? – de uma súplica às entidades divinas. Só elas conseguem a redenção que repõe a justiça. Ou é tudo olhado do avesso, e tudo se escreve por linhas tortas. A apócrifa justiça.

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