(Não se cuida aqui de assuntos metafísicos, nem de epifanias há notícias a dar)
O firme mecanismo da convicção forma-se interiormente como uma lava que vai endurecendo com o esfriar. Se não fosse por essa lava dantes incandescente, persistia uma anemia dos sentidos, uma observação desinteressada, uma apatia descaracterizadora. Éramos apenas por fora, perfeitos candidatos a farsas de nós mesmos.
Há momentos em que uma erupção toma conta de tudo. Acompanhada por um cortejo de abalos sísmicos, as fundações estilhaçam. As medidas são refeitas: às vezes passamos a ser território maior, outras vezes é-nos amputada uma parte que corresponde a uma justiça que estava em paradeiro incerto. Não precisa de ser um dédalo a desafiar os queixumes das almas. Não se recolhe a imperatividade de ruturas, como se os momentos heurísticos não possam emergir de geração espontânea. Eles não têm de estar dependentes de circunstâncias que se passam no foro do ser.
Às vezes, os desafios são uma fonte inesgotável de mudança. Às vezes, é preciso derrotar a inércia de quem está acostumado à vagarosa marcha do tempo, empilhando aqui e ali as provas de como tudo se repete, maquinalmente, e como a noção da incerteza é o medo maior que os pode assaltar. E como essa repetição maquinal dissolve o sangue num lençol de comiserações várias que empenham o ser contra a sua própria ossatura. Quando a têmpera não transige com a inércia que a arrasta para o sopé da falésia, inauguram-se as várias encruzilhadas que reativam o pensamento e que exigem resoluções – quaisquer que elas sejam, menos uma: o nada fazer, deixando o passado, pela sua feição consuetudinária, adulterar o futuro.
Acreditar que ainda há páginas que estão à espera de ser tamboriladas é um bálsamo que dispensa os cuidados intensivos das almas dedicadas à monotonia da rotina, das almas que se exasperam com a ameaça de mudança como quem treslê uma indulgência com a soberba da arrogância.
Acreditar é uma saudável loucura que dispensa intervenção corretiva. Que dispensa, até, que se use a palavra loucura. Mas a loucura transfigura-se no palco onde se terçam as aspirações contra o murmúrio que alimenta a conservação de tudo o que já foi conservado. Acreditar e conseguir ser louco devia dar direito a comendas em vez de internamento.
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