1.11.23

O outro lado

Sigur Rós, “Andrá”, in https://www.youtube.com/watch?v=qEw--v19WyI

O filão está fora do horizonte. Não se mistura com os açaimes herdados da comunhão forçada (o todo: é um estigma). O lado visível entretém-se com o acinte que se estilhaça no desassossego de todos. Misturam-se as peles sem se tocarem. O idioma que sobra é uma homenagem à timidez. Todos temos outro lado. Outros lados.

A meação das diligências é fervida no sangue que se amotina. Não se fazem apostas sobre o porvir, as pessoas sentam-se na pedra tumular da lucidez que é um desaforo aos conceitos. Escondidos os lados outros, o que nos é dado a saber é uma espuma sem teor, uma montra de fingimentos, a negação de qualquer filigrana. Não se fale de mentiras, que elas não reabilitam os outros lados artesãos. Sugere-se que o outro lado é a evasão do fingimento. O que somos em coabitação social é o lado não autêntico (ou é-o para efeitos de convivência social, aquém das exigências).

As pessoas não se conhecem. Não sabem onde está o outro lado dos outros. Por isso o outro é o ouro que fica por contar. A riqueza das almas ficava a ganhar se os lados ocultos pudessem entrar na sua contabilidade. Não seria por ilusão estatística. Só a solidão de cada um é capaz de inventariar os outros lados das outras pessoas. Arregaçam-se as mangas para laudáveis compêndios quando os outros estão nas imediações, franqueiam-se os palcos para psicólogos das almas que descobrem petróleo no meio da água pura. Nada disso interessa porque o outro lado de cada um fica à porta. Não chega a ser.

Se viajássemos pelo outro lado de outros sindicáveis ao acaso, quantas vulnerabilidades seriam encostadas nas estantes do pensamento? Seria um mergulho em abismos tentaculares? Ou o outro lado dos outros correspondia a um desdobramento do horizonte para darmos conta que o mundo não é singular, é o lugar ideal da pluralidade?

O outro lado – enquanto for esse, oculto, lado – ficará escondido, inacessível ao conhecimento dos outros. Na imersão de outros, abatem-se as árvores velhas e puídas, para nas mãos emergirem apenas os casos contados de vidas permanentes. Não sabemos do comportamento dessa lotaria. O outro lado do outro podia ser uma bênção ou a reprodução do inferno. Antes a perene incógnita e o acatamento singular do outro lado refugiado atrás das muralhas de cada um.

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