Não se adoça a boca dos que esperneiam contra a indiscrição que uma imagem deles revela. E quem gosta de ficar mal na fotografia? – perguntam aqueles que são vítimas de fotografias e os outros que, em insincera solidariedade, são fotogénicos.
O baraço joga-se contra os rostos que não são acolhidos pela generosidade de uma fotografia. Sentem-se injustiçados. Aquele é o seu mau lado, ou o instante captado pela fotografia mostra um esgar que coube milimetricamente no instante da fotografia, um supremo revés. Os que protestam por fazerem má figura numa fotografia abraçam-se à frivolidade moderna, que tende a espelhar o acessório, despromovendo o essencial a seu ajudante de campo.
As pessoas contristadas com a má fotogenia abespinham-se por pouco. Uma fotografia é um instante, uma infinitésima molécula de uma vida muito mais inteira. Em seu desabono, dirão que aquele fragmento as eterniza. E elas não são à imagem daquela imagem que as treslê. Agem como se a fotografia contestada fosse uma marca registada. Não reconhecem que as pessoas raramente são reconhecidas na rua pelos rostos que uma fotografia sua ostenta. Há ângulos mortos, sombras que roubam claridade e anotam traços ocultos, quase como se uma fotografia desse corpo a uma re-identidade do fotografado. Uma fotografia que adultera o rosto carrega a mentira para memória futura. As pazes serão feitas se a pessoa se desembaraçar dessa fotografia e escolher outra que lhe seja compatível.
Se a reação for virada do avesso, a vítima da má fotografia de si mesma rir-se-á do desfavor do fotógrafo, não insultando as circunstâncias que se jogaram contra si nem vivendo sobressaltada pela fotografia. Só aqueles que não se levam muito a sério o conseguem. Se não forem acometidos por uma crise de autoestima, apreciam a má fotografia averbada e guardam o protesto para outras instâncias que se prestam mais ao protesto. Sabem que o rosto diário não é a representação da má fotografia. A má fotografia será creditada a seu favor: quem os conhecer, saberá que o original é melhor do que a cópia.
Ou fica-se mal na fotografia se alguém for interpelado para a televisão para desfazer uma dúvida gramatical e der a resposta errada. O desmazelo pela gramática é pago com aqueles trinta segundos de má fama, que não são apagados dos registos. Esta pessoa pode pedir à jornalista que não passe a sua resposta no programa de televisão, invocando um direito (ele há sempre direitos a serem inventados) à privacidade da vergonha própria?
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