Diga-se, a propósito da colonização idiomática em curso, que não será por muito se usar a língua-franca contemporânea que poderosos mecanismos mentais levam os usuários a tropeçar em livres traduções literais, numa adulteração idiomática que, no máximo, revela preguiça mental de quem assim procede. Talvez nem seja sequer um caso de colonização idiomática. Apenas um cortejo de incidentes que se ficam a dever à menor diligência de uns quantos que usam o inglês de mais. A usura dos usuários dos idiomas, em manifesto erro de tradução.
Hoje diz-se muito: “o meu ponto é este”, ou “quero sublinhar este ponto”. Não se cuida de identificar um sinal de pontuação que é ingrediente da sintaxe. Os usuários lembram-se que em inglês se diz, e acertadamente, “my point is” ou “let me emphasise this point”. Também já deviam ter aprendido, do uso diligente dos idiomas com que lidam, que nem sempre as traduções literais são o instrumento para se falar corretamente um idioma. Ali em cima, onde se lê “ponto” dever-se-ia usar “ideia”, ou “argumento”.
Há um recurso frequente a “expectável”. As pessoas dizem que um determinado acontecimento era “expectável”, quando queriam, porventura, assegurar que esse acontecimento era esperado, que havia toda a probabilidade (conhecidos os contornos do contexto e as suas circunstâncias) de ter acontecido. Como em inglês se diz que “something is expected”, lá se socorrem os facilitadores do arnês da tradução literal para transformarem o “expected” num mimético “expectável”. Não só é erro, como, para piorar, é um termo cheio de inestética (faz lembrar “expetoração”).
Ainda há outro modismo que impinge poluição sonora (quando é entoado) ou visual (quando está por escrito): “fazível”. Diz-se que uma empreitada é “fazível”, dando-se a entender que a tarefa não é fácil mas também não é impossível, exigirá compromisso e empenho do seu agente. Ficaria melhor dizer que a “empreitada é possível”, ou, querendo subir a qualidade semântica, a “empreitada é praticável” – ou ainda, em discurso direto, “consigo fazer o que me pedes.” Os que torpedeiam o idioma vão à origem e avocam o “feasible” para, num exercício de terrorismo idiomático, torcerem a tradução transformando “feasible” em “fazível”. Este é um caso de tradução por osmose sonora.
Apetece inaugurar um abaixo-assinado para condenar à proscrição os que atiram os idiomas para a decadência, pois merecem ser acusados de, pela insistência nestes desconchavos, adulterarem os idiomas: é que não é só o idioma em que se traduz que é ultrajado; também o idioma traduzido é atingido como vítima colateral da moda da tradução amadora.
O meu ponto, em tudo isto, é o ponto final – exigência gramatical para terminar uma frase e um texto.
Sem comentários:
Enviar um comentário