28.11.23

Metanol (short stories #444)

Björk, “Emotional Landscapes”, in https://www.youtube.com/watch?v=loB0kmz_0MM

          Um feixe de luzes indizíveis, a tocha que ateia a combustão por dentro, a combustão que não se vê. Digo-a. Todo um magma efervescente, a subir pelas veias a pedir que o sono seja apeado. A água pede à inquietação estrutural que remoce. Pois a anemia depressa se confunde com letargia, deixando uma terrível anestesia estilhaçada sobre a pauta onde se movem os dedos açorados. As palavras emprestam-se ao silêncio. A combustão interna desassossega a maré, que se agiganta nos garfos terçados numa maré-viva. Sussurro os segredos que eriçam os poros. O fogo invisível coloniza os sentidos. A pele desemudece, como se as transgressões deixassem de ser párias. Não pertencem ao domínio público; é por isso que não são párias nem são transgressões. Podemos hasteá-las ao nível de transgressão, se não nos importarmos de fingir que evocamos o mundo que habita no avesso das paredes. Construímos os sonhos com os nossos dedos e emprestámos as bocas para que não fique uma sede por embargar. Desembaraçamos os modos, a partida que se move no fio do horizonte que descobrimos nos interstícios do sono. As muralhas não se escondem nos passaportes sem cor esgrimidos em vez de disfarces ou de meras convenções. Ironizamos com os profetas que desfilam em representação do arrivismo; não sabemos nada deles, a não ser a ostentação. Inventamos um enredo que não é sobre eles. Combinamos os segredos que se oferecem à cordilheira que apalavramos. Outros dormem e nós ateamos o rastilho que não acende uma chama. Não precisamos de provas. Somos a expressão viva do lado final desse rastilho. Subimos às torres que coroam os silêncios ardendo através dos poros. Vemos o longe que deixámos para trás. O contrário de uma devastação. Somos os corpos que se tatuam um no outro. A candeia de um mundo feito por nós.

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