2.1.25

Andamos todos no lugar do morto (contingência)

The White Stripes, “We’re Going to Be Friends” (live at SNL), in https://www.youtube.com/watch?v=hgJ-nb9GEJs

Na lógica dos predadores, não somos íntegros na tutela dos direitos que nos ensinam a ter. Somos meros objetos. Sacrificados, em última instância, em nome de um “bem maior”, por muito que sejam indeterminados os critérios de fixação a que o “bem maior” obedece. Despidos de nomes, somos só números cuidados como súbditos, cadastrados em frias estantes onde contamos como peças indiferentes manipuladas como candidatos ao estertor.

Andamos todos no lugar do morto, por mais que estejamos convencidos que não. À mercê da contingência, a sorte ou o azar combinados num jogo de acasos em que são sempre de outros as deliberações que sobre nós se abatem. A nossa vontade é irrisória. Só contam as vontades dos outros que se congeminam num jogo de acasos em que somos apanhados como afortunados sobreviventes ou como presas fáceis. 

É parecido com a irrelevância que nos persegue quando somos transportados num veículo conduzido por outro; não é muito diferente do que acontece quando somos apanhados, como vítimas diletas, no sortilégio das decisões dos governos, nacionais ou de outros países, ou dos oligarcas que conspiram no silêncio do seu poder não sindicável. Não é muito diferente das decisões tomadas por outros que são tangentes à nossa vontade, sem que seja possível interferir com a vontade deles. Seguimos no banco do lado, espectadores passivos, observando o despacho da vontade de quem tem o volante nas mãos. Hibernados, na posição de quem assiste aos acontecimentos mas está paralisado pela impossibilidade de atuar, a nossa vontade apeada. 

A contingência cobre uma parte importante das vidas. Por mais que seja exaltada a vontade própria, o direito a ter direitos com solene consagração jurídica, nacional e internacionalmente, e o princípio da dignidade humana que nos eleva à utopia da igualdade, a posição em que seguimos é de apatia interessada. 

É como se fôssemos participantes numa peça de teatro sem sairmos da plateia. Pedem-nos para sermos atores sem sairmos do lugar. A latitude da nossa participação resume-se a uma fina camada de teoria que depressa se estilhaça ao primeiro contacto com os acontecimentos.

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