29.1.25

Quase tudo

Sigur Rós, “Mór”, in https://www.youtube.com/watch?v=eF6dZ7pW8Rk

Por junto, os garfos desfalecidos não fazem um conjunto. As intenções esfaceladas passam a escombros com a altivez do dia, a estirpe façanhuda que consome a lucidez. A cada mutação da maré, os olhos testemunham a embrionária estranheza que trata a geografia por forasteira.

Digo: serei procurador das intenções benignas quando as raízes das árvores se esportularem e elas ficarem nuas ao luar. As mãos subirão as árvores até ficarem lisas, magnificamente abertas para o esplendor do mundo. Não se cansam, umas mãos deste modo açoradas. 

Ou posso ser apenas embaixador das intenções modestas, aceitar que tudo se possa acertar pela craveira do quase. É o modo diferente de receber as imperfeições que acompanham as vidas inteiras. Aceitar que a luz pode ter arestas e os dias sucedem-se com a impressão de que podiam ter acabado por ser uma safra melhor. É imperativo gratificar os dias que assim sejam. Quase tudo pode ficar a léguas da inteireza. Mas é melhor do que os dias que ficam reféns do medo.

As canetas anotam os bocejos do pensamento. Mesmo o sono, que parece ter ficado em dívida à lucidez por falta de quem o interprete, contribui para o palco onde desfilam pessoas, palavras, indecisões, certezas que escondem fragilidades, um anoitecer que dissolve a luz clara do dia, as ondas amargas que endurecem os penedos, a altivez que esbarra na humildade, os sonhos, enfim, que ganham autonomia na vasta planície onde se congemina o pensamento. Sobram palavras avulsas, poços fundos que titulam as trevas de que sou liberdade, o penhor da vontade costurada com o avesso do pretérito. Até que todos os quase sejam entronizados e deles se faça a maré monarca por dentro do sangue em espera.

Quase tudo não fica pela metade. Não fica por proporção nenhuma, nem deixa à mostra a fragilidade de quem não subiu ao promontório para dar acabamento ao inacabado. Quase tudo é a medida da perfeição (possível).

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