14.1.25

Não se diga ao elefante para caçar a baleia

Deftones, “Street Carp”, in https://www.youtube.com/watch?v=hbknq6azohw

O elefante e a baleia desafiam-se, apesar de viverem em ecossistemas diferentes. Disputam o trono do animal mais poderoso. Dentro do seu ecossistema, seu é um monopólio não contestado, sob pena de os contestatários pagarem com a integridade física, no limite, com a vida extinta por um golpe não misericordioso.

O elefante e a baleia não se contentam com o domínio que exercem. Sabem que há um rival à altura que domina um ecossistema que não é o seu. A sede de poder não os limita. É a sede do irrefreável poder que querem estender para além do domínio do ecossistema que dominam. A ambição trava um módico de humildade. O poder é muito, mas pode ser mais. Cada um não esconde a ousadia de desafiar o rival e açambarcar a porção do poder que lhe pertence. Os dois enredam-se na mesma pergunta: para quê partilhar o poder se o pode assumir sozinho, sem um rival a adejar na divisão do poder?

O elefante e a baleia podem atear uma luta fratricida. Cegados pela avareza, embriagados pela possibilidade de serem o imperador de todos os ecossistemas, vociferam ameaças recíprocas. Cada um exibe as credenciais para amedrontar o outro, mesmo sabendo que o outro não vai tremelicar de medo. O elefante e a baleia começam-se a aproximar do abismo. As injúrias, as humilhações periciais que enfraquecem psicologicamente o outro, a ostentação dos meios que podem arrasar o adversário, a retórica que o transforma em inimigo, são os atos da encenação. Apesar de todas as manobras pré-beligerantes, a baleia e o elefante sabem que o outro dispõe de um poder semelhante e que se subissem a um campo de batalha o resultado seria apocalíptico. Seria uma luta de morte. E mesmo que um fosse derrotado com a morte, o outro estaria fatalmente enfraquecido, ele também no estertor da morte. 

O elefante e a baleia provocam-se porque precisam de exibir a sua força. Precisam de a manter no reduto do seu ecossistema, para manter possíveis aspirantes sob a sua alçada. E precisam de acender a retórica beligerante apenas como mnemónica para o outro, não vá a inércia causar o deslaçar do precário equilíbrio em desfavor daquele que não responder às provocações. 

Quanto ao demais, são efabulações sinistras, um foguetório de ameaças sem rastilho, um teatro lamentável que alimenta uma teia de micro conflitos de que se alimenta um ecossistema global de desconfianças. O poder sempre foi inimigo da concórdia.

Sem comentários: