Massive Attack ft. Azekel, “Ritual Spirit”, in https://www.youtube.com/watch?v=fhI5T_NKYxc
Passou uma temporada longa longe das luzes da ribalta. A pele esbranquiçada era prova irrefutável. Gente assim não consegue estar muito longe dos holofotes onde transitam os aspirantes e aqueles que os inspiram – toda uma fauna que deixa o pensamento em trajes esqueléticos. E o que importa o pensamento?
O regresso – come back, na língua de trapos de que se servem – foi preparado com critério. Reativou conhecimentos e contactos (há que saber diferenciar os estatutos). Sabendo que nada é gratuito nestes tempos, foi prometendo compensações. Endividava-se antes do tempo, sem ter a garantia de poder restituir os favores com os juros esperados. Acontece amiúde com gente assim: fogem em frente, contornando os contratempos através da sua eliminação do dicionário. Nunca são vítimas da usura dos outros.
Foram muitos almoços pagos por conta. Vernissages frequentadas e beija-mãos cirúrgicos. Genuflexões oportunistas. Conversas com fotógrafos das revistas coloridas onde o social comunica em circuito fechado, conversas untadas com envelopes preenchidos com notas gordas, convites para lugares de acesso reservado, vales válidos para bens consumíveis que costumam habilitar dependências variegadas. Para os fotógrafos não se esquecerem de escolher um pano de fundo onde ele se encontrava. Tudo na passadeira da notoriedade, sem a qual ninguém passa do anonimato.
Não escondia a excitação do momento. Afinal, o seu nome não caíra em saco roto. Ninguém se escondia dele – a controvérsia que ditara o seu afastamento voluntário dera resultados, é fraca a memória de gente assim que labuta na dificuldade do pensamento. Um corredor de fundo não tem de estar sempre na vanguarda. Sabe esconder-se. O esconderijo ajuda a travar as fragilidades.
Veio o dia retumbante, amanheceu a agenda que ditaria o sim-ou-sopas. Acordou confiante. Vestiu a melhor fazenda. Visitou o coiffeur (ele há palavras que não podem sere ditas no idioma nativo, para não se ser possidónio). A limousine alugada esperava, à hora marcada. À entrada do plateau (outra), procurou a passadeira vermelha que o conduziria à plataforma onde os notáveis posam a pose milimetricamente estudada para as câmaras dos paparazzi. Fez a sua melhor pose – a escola de manequins deixa embebidos na alma os ensinamentos passados aos modelos, o máximo culto do fingimento.
Não sabia descrever a euforia que o percorria. Não cabia dentro de si. Festou imenso. Parlamentou frivolidades com notáveis encartados e com outros em via de o serem. Bebeu, muito. Inalou a droga dos famosos. Não cabia dentro de si. Tanto, que no dia seguinte, quando acordou no exíguo apartamento sito à periferia da grande cidade, não conseguiu reprimir o vazio que o ocupava.
Chegar, ver e vencer pode não passar de um eufemismo.
Sem comentários:
Enviar um comentário