Não dizia mais do que duzentas sílabas por minuto. A voz cavernosa, como se estivesse escondida sob um rochedo limítrofe, ecoava pelos poros das paredes. Elas ficavam tingidas com a voz altissonante. Os que o ouvissem de olhos fechados e não conhecessem o rosto diriam ser portador de estatura invejável (para os que gostavam de ser altos), um rosto encorpado assentando em estrutura óssea robusta, provavelmente uma barba hirsuta (e sabe-se lá que outros encómios a preceito). E, todavia, escancarados os olhos, deparavam com uma figura frágil, emaciada, um tanto desleixada, não escondendo a quadragenária condição um rosto algo imberbe (não havia vestígios de barba que se visse).
Locomovia-se em rima com a voz vagarosa. Às vezes, as pessoas exasperavam-se com a sua voz arrastada. “Não podes falar mais depressa? É que me dás sono!”, protestou uma outrora namorada que se cansou do vagar com que a vida tartamudeava ao seu lado. Ele contrapunha que não é por défice de entendimento do que diz que as pessoas não o compreendem. Se ia a um lugar onde um apressado debitava um impressionante número de sílabas por minuto (muito superior às suas duzentas, mas sem a possibilidade de as contar, tanta a rapidez da fala), depressa dele se ausentava. Não transigia com a fala gongórica, que se atropela a si mesma, responsável por um discurso trapalhão, ininteligível. Com falas dessas, o silêncio é terapêutico.
Bem cedo descobriram nele a vocação de diseur de poesia. Era preciso uma voz funda, que cativasse a atenção da audiência enquanto os poemas eram diligentemente manobrados pela voz. Pois o poema perde-se no espaço vazio da celeridade das palavras, quando assim é dito. Não transigia com o assassinato de carácter dos poemas. Continuava a acreditar que os poetas escreviam com o mesmo vagar com que ele declama os seus poemas. Uma fala-precipício exauria o poema, a voz sobreposta ao poema.
A voz arrastada era contrariedade para os outros fora dos saraus de poesia. Incompreendido pelos seus congéneres, prosseguiu vida fora convencido que passava o dia inteiro a falar como se estivesse a pôr em voz um qualquer poema, dando-lhe vida. Talvez não tenha sido coincidência que nunca mais se enamorou, pois os poetas são eternos moradores do desamor (essa era a sua teoria). Para a sua teoria estar completa, só faltava ele ser poeta.
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