16.3.22

A vodca é outra vítima colateral da guerra (a menos que seja polaca)

The Dandy Warhols, “Ever Day Should Be a Hollyday”, in https://www.youtube.com/watch?v=FuFtfhOipNQ

Aprende-se com a História: em tempo de guerra, não mantemos trocas comerciais com o inimigo, porque estamos a alimentar a sua economia de guerra. Desta vez, o axioma sofre desvios de comportamento. 

Primeiro, o ocidente está em tensão com a Rússia invasora, mas não chegou ao estatuto de beligerância que faça desatar as (sempre lamentáveis) trompetas da guerra. Segundo, e devido à constatação anterior, mantêm-se algumas compras à Rússia: petróleo e gás, porque a Europa foi no canto da sereia da Rússia e, adormecida, deu por si num estatuto de dependência energética que não se desfaz de um momento para o outro. Terceiro, à conta disso, Europa e Rússia mantêm uma hipocrisia. Apesar de acusar a Rússia de invasão e das piores atrocidades que o invasor comete, a Europa continua a comprar petróleo e gás. A Rússia ainda não fechou a torneira, porque precisa das receitas e porque sabe que essas receitas aumentam em tempo de guerra, quando os preços dos bens energéticos sobem à estratosfera. A Rússia mantém a Europa sitiada, mas consegue amealhar uns proventos à custa desse estatuto. 

Nos últimos dias, soube-se que o Reino Unido proibiu a importação de vodca russa. Não há notícia sobre os demais países europeus. Já se sabia que os Estados Unidos tinham embargado as importações de caviar e de diamantes com origem na Rússia. Como se uma guerra não fosse um mal suficiente, adiciona outros defeitos. O pior é a distribuição iníqua dos sacrifícios causadas pelo ato beligerante. Os que suportam o maior ónus são os que perdem a vida (civis, acima de tudo; mas também militares). Mas há outras vítimas colaterais. Aqui também, os mais pobres suportam os custos agravados. A inflação é um imposto escondido que tem mais peso na medida inversa dos rendimentos das pessoas. De uma forma ou de outra, o preço exorbitante dos derivados de petróleo vai ser sentido, e de forma dolorosa, nas carteiras de toda a gente. Serão os menos endinheirados a sofrer mais com os sacrifícios determinados pelo petróleo mais caro.

Também se estimam efeitos menores, sobretudo por quem não suporta esses efeitos – mas não pelos diretamente visados. A vodca russa deixa de ser vendida no Reino Unido. Provavelmente, o mesmo acontecerá nos outros países europeus, a menos que o lobby dos consumidores de vodca seja poderoso e possua representantes infiltrados nos corredores do poder. Da próxima vez que houver recordatória da guerra, abrir-se-á um capítulo para os boémios habituados a vodca, coagidos, pelos efeitos acessórios da guerra, a adestrarem a boémia sem a ajuda da vodca, ou a mudarem os costumes para sucedâneas bebidas. A guerra poderá ser uma dádiva para os produtores polacos de vodca. 

Há sempre alguém que fica a ganhar com uma guerra, o que torna a guerra ainda mais insuportável. Os comerciantes de armamento diverso, os que se mercam como mercenários, os produtores polacos de vodca. 

(Ou, de acordo com apóstolos da esquerda conspirativa, da esquerda que arrota o seu ódio antiocidental primário, a NATO – a maldita NATO e os interesses últimos a que esta dá cobertura: os interesses da “América”.)

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