8.3.22

Forasteiro

TaxiWars, “Drop Shot”, in https://www.youtube.com/watch?v=Vi7HitLrVT8

Preciso do deslimite do espaço contíguo para não me saber forasteiro. Não há sextante que o consiga. No inventário dos meus sortilégios, não ser forasteiro nos lugares desconhecidos é uma doação mirífica. As terras demandadas, nunca dantes vistas pelos olhos atentos, trazem uma singular sensação de pertença. Talvez seja este o vínculo de uma pertença paradoxal: sou dos lugares que não sabia serem – e, ato contínuo, torno-me filho da despertença do lugar que se reclama minha identidade.

Dizem: é-se forasteiro num instante, cobrada a efémera despertença no conhecimento do lugar que entoava a sua estranheza. Um breve contacto e o lugar entranha-se na pele, como se na pele estivessem embebidas múltiplas tatuagens dos vários lugares demandados. Tão efémera é a condição de forasteiro como o é a pertença. Pois a mesma despertença que se alinhava no lugar que se convoca ao estatuto de identidade enreda-se na carne ávida de outros lugares. Como se acabasse por descobrir que não pertenço a lugar algum – e que a pertença é um logro que se afivela ao nosso pescoço, como um garrote que comprime a alma, condenando-nos ao um nanismo, todavia, invisível.

Talvez seja uma errância imorredoira que se levanta no horizonte. Dela se soergue a despertença que é procuradora do forasteiro irremediável. A curiosidade dos lugares por conhecer é a voz gutural que fica lacrada no magma que efervesce. Os braços atiram-se para a geografia sem conhecimento para dela trazerem um módico de pertença. Para, pretensiosamente, dizer que posso ser cidadão de todos os lugares, os habitados na memória e os que se lobrigam nos sonhos apalavrados. Se voltasse a ser criança, diria que queria ser forasteiro quando fosse adulto.

Da matéria não gasta se transfigura o sangue em espera. É como se o mapa estivesse por dentro das mãos e abri-las fosse o livro que conjuga os verbos desarmados com lugares em barda. Se pudesse, jurava ser curador de um álbum de fotografias que imortalizasse memórias dos lugares havidos. Noutra secção do álbum, a secção da memória futura: teriam lugar as fotografias dos lugares ainda sem paradeiro. À espera que deles pudesse dizer não serem jamais os lugares onde me acastelo, forasteiro. À espera que o calendário fosse feito de uma viagem sem prazo nem congeminações. 

O sonho maior, era sair sem mapa que me pudesse ensinar um destino.

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