23.3.22

Por que não existe uma praça da melancolia (short stories #378)

Idles, “Well Done” (live on SXSW 2018), in https://www.youtube.com/watch?v=Yqf8cDbsA3w

          O vocalista da banda pós-punk exacerba a voz, as veias do pescoço parecem explodir com a erupção da raiva mumificada na letra da música, batendo no peito com o punho fechado sem estar a fazer de conta. No fim da música, deixa cair o corpo na vertical e, naquele momento que parecia em câmara lenta, um sorriso exegético acompanha a queda no precipício. Permanece inerte no palco durante uns segundos, os olhos esparramados como se a fruição da liberdade estivesse fora da sua órbita. O sorriso dobra as sílabas num riso desacanhado. Não é um riso fortuito: a catarse baniu os escombros da melancolia que foram servidos na música. Foi a voz cava e a ira exorcizada no vulcânico esbracejar do vocalista que desarmadilharam a melancolia atravessada em todos os poros. O vocalista levanta-se numa medida inversamente proporcional da queda que fora em câmara lenta. Descompõe o sorriso. Fala a sério, agora que passou a envergar um cenho, contra as incúrias do mundo tão imperfeito que é este que nos acolhe como casa comum. Tartameleia uns palavras arrastadas, propositadamente arrastadas, para todos perceberem. Admite que não é dele a tutoria dos conselhos, pois dele se sabe que há privados vícios que o desaconselham para a moral convencionada. Não vai aconselhar ninguém: limita-se a desafiar os presentes para não desistirem das interrogações e para não capitularem como vítimas de um mundo cimentado a melancolia. Impetra que não deixemos de olhar em redor e sejamos leitores açorados, mas críticos, do palco em que nos movemos. A melancolia maior é a hibernação de quem cai no logro dos que preferem uma cidadania desligada do seu meio ambiente. Com o arquear do braço direito, como se fosse maestro, ordena a música seguinte.

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