28.3.22

Os violinos perenes

Indignu, “Chovem Pedras do Céu” (Understage Rivoli), in https://www.youtube.com/watch?v=YN0WkAUb0Qw

Não façam das datas um porta-aviões sem paradeiro, um vulto emasculado que se pavoneia na pior semântica masculina, como se seu fosse o halo que gravita na periferia de deuses que não existem.

Não combinem o armamento impuro que colhe vidas prematuras.

Não falem com vozes iracundas se não têm argutas montanhas no precipício onde avultam os misantropos.

Não remedeiem os braços cansados que se antepõem diante do ocaso prometido.

Não recusem as estrofes que premeiam a perseverança dos argonautas.

Não tirem partido da fragilidade se não souberem inventariar a vossa própria fragilidade.

Não sejam piratas em mares alheios sem cuidarem das marés que alimentam a maresia.

Não povoem o palco com o dissídio.

Não cultivem a arbitrária colheita dos vindouros se não querem tutelar uma consciência tumultuosa.

Não fujam dos contratempos se eles são o avesso do tempo não evaporado.

Não se remetam aos escombros onde se esconde o passado da cidade.

Não arremetam contra os golpes pútridos da injustiça, pois dela não sabem os deslimites.

Não nadem nas intempéries nem se atirem no avesso dos remoinhos.

Não sejam meros habitantes de um tirocínio, convencidos da eternidade dos tirocínios.

Não olhem por cima do ombro para os segredos que vos desafiam desde um ângulo morto.

Não assobiem contra o luar se não souberem do dicionário no dorso no luar.

Não fujam do sangue patrimonial nem esqueçam dos verbos que cimentam as veias.

Não esperem de um crepúsculo um poema heurístico.

Não saibam dizer as palavras sem perderem uma sílaba.

Não finjam para deixarem de ser os atores em que foram entronizados.

Não desarrumem a alma para além das fronteiras do medo.

Não deixem que a música seja órfã da vossa ausência.

Não se extingam na exiguidade do tempo enquanto ouvem em surdina o ciciar dos violinos.

Não deixem de ir às armas se exércitos emproados na sua beligerância quiserem calar os violinos, para não desmentirem a perenidade dos violinos.

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