Não são as ruínas que assustam. Não é a decadência que encoleriza. As mãos percorrem as paredes irregulares e encontram a ferrugem que se desprende do mosto metálico à mostra. A cofragem irrompeu entre o cimento e profetiza a corrosão. Mas nem assim as ruínas que se prometem acendem o medo. Pois há outros lugares que já não existem, depostos pela demência dos Homens. Outros que estão numa fase mais avançada de decadência, sem se poderem reger por si próprios. Outros, ainda, embebidos no medo da existência, sem saberem do paradeiro das ondas tumultuosas que se esmagam no seu dorso.
Outros: somos “nós e a nossa circunstância”, e ninguém se cuida por ser uma ilha, destinada à ausência dos outros. Não julgamos o lugar de onde nos projetamos sem arrematar a posição de outros que sobem ao oráculo da comparação. Somos satélites uns dos outros, sem sabermos ao certo qual é o lugar centrípeto de onde dimanamos.
A corrosão é uma equação do tempo que não se suspende. As lavas atiradas sobre os dias desgastam o corpo. O pensamento torna-se baço, como se uma cortina encorpada se abatesse sobre o fio do horizonte e impedisse a lucidez. As vidas jogam-se contra a conspiração do tempo assim esgrimido. E nós, frágeis, somos os atores presos à passividade. A certa altura, reféns da corrosão que entorpece e nos torna conscientes da finitude. Já não há lugar à inconsciência de outrora, quando os anos eram ainda imberbes e ninguém admitia que a finitude estivesse em espera.
A consciência da decadência precede a interrogação da morte. Contra os prognósticos sombrios e as masmorras da finitude como destino irrevogável, a flexibilidade do pensamento ousa desafiar o critério do tempo. É como se os relógios passassem a estar em compasso com outra dimensão do tempo e ele se medisse por uma norma diferente. A corrosão não averba a capitulação. É o presságio de uma transfiguração que convoca outra mediação no estatuto tangível da finitude. A janela que fica aberta à tradução dos olhares que se modificam na pele dura da mudança que exige mudança. É a prestidigitação à medida das mãos que não capitulam.
A corrosão é a prova que nos foi dado arrotear uma medida do tempo que outros deixaram de saber sentir. Uma dádiva.
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