Se não fosse pelo sono, todo o húmus da terra seria mantimento válido. Como se fosse uma lava repousada que se embebeu em fertilidade e tudo o que parecia condenado a vegetar longamente tivesse uma segunda vida. Por vezes, é preciso interrogar o que temos por adquirido e mudar as voltas ao consentido.
Os decadentes não esperam indulgência. Atiram-se de cabeça nas águas onde fermenta a decadência e compulsam o estado irremediável que é seu património. Porém, angariam seguidores. Seguidores sem paradeiro conhecido, ou rostos que correspondam a identidades, mas seguidores. Os decadentes deixam à sua passagem um perfume inexplicavelmente sedutor. No paradoxal movimento que é atração de opostos: mandam os costumes que a decadência seja denunciada e, se possível, não haja transigência com os seus domínios. Mas uma vez atraídos para o território da decadência, o processo é de sentido único. A decadência não tutela avisos prévios nem consente arrependimentos.
Segundo as mais recentes estatísticas, o exército de decadentes atinge números nunca dantes conhecidos. Alguns peritos sugerem que esta é a fotografia do hedonismo triunfante. Outros pressentem que as pessoas se sentiram acossadas pela embotada bússola e entregaram-se à tirania do acaso, onde se situa o domínio da decadência. Os religiosos olham para o lado, uns derrotados pela cedência da metafísica aos prazeres mundanos, outros recusando a partilha de mundividência com tão numeroso exército de decadentes.
Especuladores de cepa diversa uniram-se para sondar a extração da essência do perfume derramado pelos decadentes. A sua avareza não colide com o que os advogados de defesa dos valores que gravitam na órbita da decência diriam ser a perdição onde habita a decadência. Na volúpia dos valores materiais que alicerçam a avareza, não se importam de comercializar o perfume da decadência se a sua fortuna aumentar. Eles próprios serão fautores da decadência, provavelmente sem o saberem.
À sua volta, e dos genuínos decadentes, um perfume contagiante coloniza mais pessoas. Até que a decadência se vulgarize e seja tomada por um valor tão recomendável como os outrora valores agora depostos. Até que a decadência se reformule por dentro, num exercício semântico que esvazia a palavra do seu sentido pejorativo.
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