Os nomes deixaram de ser credenciais. São apenas isso, nomes, que é como quem diz, um número que nos identifica como tal, não como a pessoa que lhe dá origem. Através dos nomes parece que embraiamos: vamos em roda livre, a tempestade perfeita que anuncia o desastre. Dirão: mas um nome é o aval da personalidade que se é. Não se conteste a advertência. Temos de ir mais longe: os nomes serem indissociáveis das pessoas é o que as menoscaba enquanto tal.
As provas torrenciais sugerem o contrário. São os nomes que entronizam as pessoas, que as corporizam como seres a quem são delgados direitos e deveres. E, todavia, a simbiose convoca o desenraizamento da pessoa: ela é enquanto nome que a identifica. Fala-se de identidade como um deslaçamento da pessoa a quem a identidade é uma outorga de direitos e deveres. No rescaldo do processo, é a pessoa que fica a perder. Perde para o nome que é seu procurador. Os nomes terçam-se numa praça infindável, onde se amontoam como se às pessoas deixassem de pertencer. Pois não há quem consiga saber de cor os nomes de todas as pessoas. Nem os arquivos, sem a ajuda dos algoritmos que inundam o processo de artificialidade.
As pessoas, deste modo esbulhadas do húmus da sua personalidade, são industriadas a colocar os nomes à frente das pessoas que são. Vão embraiadas, em roda livre, à mercê das contingências que supõem uma miríade de contributos alheios; à mercê dos sobressaltos originados no seu exterior e que elas não conseguem domar. Pois o binómio nome-pessoa não vale o mesmo para todos. Só um punhado de pessoas pode assegurar que o nome não é estranho para os outros. Os demais aprendem a saber que os seus nomes são irrisórios para os semelhantes, por não passarem do estatuto anónimo. Não se fale em igualdade enquanto esta desigualdade se mantiver.
Paradoxalmente, é uma desigualdade que se joga a favor da imensa massa anónima. Quando um nome adere a uma pessoa, essa pessoa fica permeável ao escrutínio dos outros. Podem ser de outro calibre as dádivas atribuídas aos que fugiram do anonimato, mas o reconhecimento público é o ónus que carregam. Os verbetes jogam-se, torrenciais, a favor da miragem da igualdade, como se a jurídica atribuição de um nome a cada pessoa fosse dela a sua garantia.
Devíamos aprender que os nomes que carregamos são produto de uma tirania silenciosa que se abate, sem o percebermos, sobre a personalidade que nos tutela. A ninguém é dado reconhecer que a pessoa precede o nome. Ao contrário dos lugares-comuns que certificam a vinculação de sinal oposto.
Sem comentários:
Enviar um comentário