Sem bússola, os passos pareciam a pedagogia da errância. Podia ser que estivesse a percorrer os mesmos caminhos, mas de vezes anteriores, ou por ser noite – ou por estar nevoeiro –, esse lugar parecia um lugar diferente. Um sonoro sibilar amparava um remoto sentido de localização. Antes que a rendição trovejasse sobre a teimosia desamparada, tentaria mais uma vez. Antes que continuasse a dissolver a paciência nos círculos que desenhava, pois acabava por desaguar na mesma casa da partida.
Lembrou-se dos mapas de papel que o acompanhavam dantes, para que o seu paradeiro não fosse desconhecido. Sem bússola e na desmoda dos mapas artesanalmente figurados, o seu paradeiro era desconhecido dele mesmo. Era como se o corpo tivesse fugido dos seus limites e todo ele fosse um deslimite em petição de ordenação. Por mais que urdisse o metódico pensamento, não sabia se conseguia vencer o lugar subitamente inóspito.
Os pensamentos estavam em ebulição. Tinha receio que a quimera de pensamentos, em toda a sua abastança, tivesse um travo de perda de lucidez. Às vezes, os pensamentos tornam-se gongóricos e a cacofonia derrota a consciência. Tinha medo de estar sozinho nesta demanda.
Uma tempestade estava por perto. Tinha de se abrigar da cólera dos elementos, que não tardava. Enquanto esperava que a tempestade fosse a correr para outros lugares, a revisitação do passado tomou conta do lugar exíguo que dera guarida. Deslaçada, a primeira memória libertou-se para avivar o hoje. Na grande cidade, parado num semáforo, um homem saiu intempestivamente do carro e, vociferando ao acaso, desferiu socos nos carros que estavam nas imediações. Os demais, atónitos com o destempero e talvez assustados com o estado iracundo do beligerante, ficaram inertes – até os que estavam nos carros que tinham sido vítimas da ira. Até que um dos circunstantes rompeu com a covardia coletiva e saiu do carro para dominar o homem acossado pela súbita loucura. Este, mal notou a intrepidez do outro que o desafiava, amansou e curvou-se perante ele, tremendo de medo. Tão depressa veio de louco a manso animal amestrado, prostrado em manifesta dose de humilhação auto-praticada.
Enquanto o vento arremetia com força, trazendo a chuva copiosa a tiracolo, caiu em si. A errância por falta de paradeiro não o angustiava. Ao menos, naquele lugar ermo, sem vivalma por perto, não tinha de ser testemunha involuntária da loucura fermentada no destempero das cidades modernas. A tempestade haveria de passar. Se demorasse a encontrar o seu paradeiro na cordilheira que parecia composta por montanhas iguais umas às outras, não viria grande mal ao mundo.
Da modernidade, não queria ser coautor. Preferia o exílio forçado numa metáfora de si mesmo, nem que fosse preciso fingir que a cidade era um ermo lugar e que não era feita da companhia de uma multidão.
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