Dantes dizíamos “Cochinchina” quando um lugar se media pela lonjura. Não sabíamos onde era a Cochinchina. Só sabíamos que era longe, um lugar talvez inacessível. Se a alguém encomendávamos uma temporada na Cochinchina, não era bom sinal: essa não era uma pessoa benquista e o seu endosso à Cochinchina mostrava uma persona non grata.
Mas hoje não há lugar no mundo que seja ermo. Está tudo à distância de um dedo que martela na tecla do computador para mostrar, com a ajuda dos satélites farejadores, o lugar demandado. Os mais novos parecem atordoados quando se lhes menciona a possibilidade da existência da Cochinchina, como acontece com os ingénuos quando são convidados a participar na caça aos gambozinos.
Mas dantes dizíamos Cochinchina e nem precisávamos de saber de geografia. De certeza que ninguém sabia onde era a Cochinchina se fosse desafiado a localizá-la no atlas. No fundo, éramos todos uns ignorantes da geografia, pois ninguém cuidou de saber onde era a Cochinchina. (Havia sempre uns quantos que se auto-imputavam um esclarecimento vanguardista e não hesitavam em inventar que a Cochinchina era para lá da China.) Todavia, não hesitávamos em encomendar os malquistos para a Cochinchina. Não sabíamos: se era um lugar feio, inabitável, onde as térmitas corroíam as almas dos exilados, perenemente invernoso, o chão todo feito de pontiagudas pedras, as pessoas que por lá andavam todas com alma de exilado, um lugar desgovernado. Só sabíamos que era para a Cochinchina que desencomendávamos as pessoas inaceitáveis. Não sabíamos que éramos tutores de exílios involuntários de pessoas que deixariam de gravitar na nossa órbita.
Hoje já sabemos que não existe a Cochinchina. Deixámos de nos aliviar dos indesejáveis porque não há sucedâneo da Cochinchina. A lucidez da geografia ajudou-nos a fixar os parafusos nos lugares certos. Não há gente que mereça o exílio. A Cochinchina deixou de ser um lugar. E o exílio ditado à força nossa, uma desobrigação.
Não admira que os mais novos desconheçam as coordenadas GPS da Cochinchina.
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