(A propósito disto)
Deviam compor um hino às diferenças que existem entre as pessoas. Como se fosse a Constituição dos códigos de conduta e as pessoas soubessem que dos poucos imperativos aceitáveis é reconhecer que há ideias e opiniões diferentes das suas, sendo seu dever não as silenciar. Do hino devia também constar um patriotismo de divergência: no areópago dos argumentos, ninguém pode ter a pretensão que os seus estejam à frente dos demais. Desta constelação axiológica fará parte, ainda, a liberdade para desconstruir argumentos alheios, desde que não exista a ilegítima pretensão de aniquilar o potencial explicativo das ideias e argumentos rebatidos.
Por estes dias tumultuosos e cobertos de vergonha (em causa alheia, contudo), o viveiro de ideias e de argumentos que as suportam tem dado provas de uma vivacidade singular. Dir-se-ia que, paradoxalmente, os sobressaltos existenciais são o combustível de tantas ideias e argumentos; dir-se-ia, ainda, para completar a teoria geral do paradoxo, que arrefecemos a atividade intelectual quando estamos nos antípodas dos sobressaltos que nos empurram para o limiar de um precipício.
Têm acontecido ideias e argumentos que seriam improváveis não fosse a linhagem dos seus autores. Às vezes, apetece desconstruí-los, um atrás do outro, cientes que da nossa desconstrução não resulta um adquirido incontestável. Com a mesma liberdade que se ostentam esses improváveis argumentos e ideias, emerge a nossa liberdade de os rebater.
O código de conduta dos códigos de conduta devia também incluir uma válvula de escape: o direito a esquecer as ideias e argumentos lidos quando eles sabem a um punhal que se crava fundo na carne. Devia existir um qualquer mecanismo que, por ato de prestidigitação, ativasse um princípio geral de desentendimento que fosse limítrofe ao esquecimento de tais ideias e argumentos. Seria um favor com duplo sinal: para quem ativa essa válvula de escape e para quem teve a paternidade das ideias e argumentos que mobilizam o princípio geral do desentendimento.
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